Os sapatos do amor

26-05-2021 23:55

os sapatos do amor

 

Quero que o amor seja uma par de sapatos

mágicos ou divinos

sempre especiais

que sejam construtores do seu próprio caminho

sem eles sou esticado

estático sobre um ponto

não vejo qualquer mundo para me estender

com eles sou potência daquela direção

que me leva no sentido das borboletas

ávidas de catedrais no seu voo impreciso

e tão seguras

na sua fragilidade…

 

Quero que os meus sapatos tenham olhos frontais

predadores focados na ambição do momento

armados com a fé de que a estrada é perfeita

como toda as que são feitas por amor.

 

Quero que os meus sapatos sejam leves

como a aragem que sobe para os altos cumes

e por isso criem caminhos ascendentes

cheios de panorâmicas privadas

incomparáveis

arrebatadoras

sempre na configuração do teu corpo

ao sol do teu olhar

no húmus da tua empatia

nos riachos do teu desejo…

 

Quero que os meus sapatos tenham sempre calor

um fervor redondo

fluxo de partículas entre os teus e os meus

imunes às trocas dos outros caminhantes

 — paradoxalmente

uns sapatos assim espatifam Lavoisier

pois na sua natureza

tudo se ganha e nada se perde

as partículas que te dou continuam as minhas

e ambos sentimos o mesmo calor

eterno

copioso

num percurso de lava que não queima

porque é divina.

 

Conheço um homem com sapatos de chumbo

que apenas podem deslizar nos caminhos já feitos

ou repisar sem pausa o mesmo chão

todo o seu impulso se esgota a fazer listas

dos mais diversos pormenores

dos caminhos dos outros

e do elenco das coisas que preenchem o mundo

— uns sapatos assim

podem estar sempre grávidos

da curiosidade

mas nunca serão

os do amor.