As casas do meu bairro
As casas do meu bairro são todas diferentes, porque são pintadas pelos sentimentos de quem lá mora. Dispersam-se pela tranquilidade amarela do tempo, levadas por uma brisa que chega do âmago da vida. Estão cheias de luz e de ruído e conversam ininterruptamente, como se houvesse nelas, em simultâneo, um vigoroso instinto gregário e uma irremissível solidão.
Cada um dos habitantes do meu bairro organiza as partes da sua casa de acordo com a sua alma. Alguns começam a construí-la pela janela, porque gostam de ver o céu junto aos alicerces. Para eles, os olhos são o destino e o caminho consiste em estar atento atrás da vidraça. Outros elevam os edifícios sobre a chaminé e, nesses casos, eu sei que eles gostam de respirar para as profundezas da terra e de ver mundo ao contrário. Muitas pessoas apenas conseguem viver com as paredes em cima do telhado, pois julgam que todas as intempéries têm uma raiz subterrânea e que é desses temporais escondidos no subsolo que temos de nos resguardar.
As casas do meu bairro esticam e encolhem, condicionadas pela energia das vontades. Giram no sentido dos dias e das noites, sempre animadas pelo desejo de serem mais do que aquilo que são. Algumas enchem-se de um ar sagrado e querem parar o tempo num tempo que está muito para lá do tempo. Existem outras que parecem absolutamente transparentes, completamente imunes à perceção. Nenhum estímulo indicia as suas presenças envergonhadas e neutras exceto o fumo que, nas noites gélidas, se eleva das chaminés que as encimam e nos dá a sensação de ter origem em coisa nenhuma.