Água que sobe e desce a montanha

23-08-2025 00:57

 

Às vezes sou um rio que jorra da montanha

e corre tormentosa em direção ao cume,

num caudal de sede nunca satisfeito

que despreza a gravidade das pedras e dos bichos.

Os lobos galopam nas margens indecisas,

saltam para o dorso líquido e farejam

os aromas selvagens que a terra dispersa.

A água trepa pelas encostas,

estende-se como pontes sobre os desfiladeiros,

destrói os obstáculos que a enfrentam

muda de rumo quando lhe apetece

e chegada ao cume,

à cratera faminta,

lança-se nas profundezas do vulcão eterno

para revigorar-se e eclodir de novo.

 

Às vezes sou a água que nasce da montanha

e flui pelas encostas num caminho de luz,

repousando em clareiras, à espera de planícies

— onde tudo é visível, constante e seguro,

e os dons da harmonia afugentam as feras.

A morte dilui-se no perfume das flores.

A névoa da orla esconde a floresta.

Os lobos são sorrisos com chilreios de pássaros.

Todos os seres se concentram na água

e o brilho dos seus olhos forma um espelho sereno

onde eles contemplam as suas aparências.