Boca de pedras

16-07-2023 01:25

Boca de pedras

 

A minha boca está cheia das pedras

dos edifícios que nunca construí

e derrocaram antes de nascerem

pois vivi sempre num tempo invertido

caótico, demente, falsificador

um tempo sem tempo para ser

algo mais do que o tempo a desejar.

Alimento-me de casas sem paredes concretas

com o interior todo fora delas

e o exterior vestido de janelas

com olhos a estreitar para si mesmos.

Sou um arquiteto desarticulado

com membros vagabundos pelo corpo

e a cabeça com dinâmica de pés

e os pés a pensarem mil caminhos

sem ponto de partida sem local de chegada.

As pedras da minha boca não têm gravidade

são leves como tudo o que não existe

agregam-se com cimento feito dos instantes

e constroem os momentos que os fazem derrocar

e tenho paraísos nessa fissura efémera

que se replica pela eternidade…

Espalho cristais de rocha pelo pensamento

para nutrir arranha-céus abstratos

cheios de pessoas ausentes

que procuram o céu.