Boca de pedras
Boca de pedras
A minha boca está cheia das pedras
dos edifícios que nunca construí
e derrocaram antes de nascerem
pois vivi sempre num tempo invertido
caótico, demente, falsificador
um tempo sem tempo para ser
algo mais do que o tempo a desejar.
Alimento-me de casas sem paredes concretas
com o interior todo fora delas
e o exterior vestido de janelas
com olhos a estreitar para si mesmos.
Sou um arquiteto desarticulado
com membros vagabundos pelo corpo
e a cabeça com dinâmica de pés
e os pés a pensarem mil caminhos
sem ponto de partida sem local de chegada.
As pedras da minha boca não têm gravidade
são leves como tudo o que não existe
agregam-se com cimento feito dos instantes
e constroem os momentos que os fazem derrocar
e tenho paraísos nessa fissura efémera
que se replica pela eternidade…
Espalho cristais de rocha pelo pensamento
para nutrir arranha-céus abstratos
cheios de pessoas ausentes
que procuram o céu.